domingo, 22 de dezembro de 2013

BlogIEP Entrevista: Irmão André - fundador PORTAS ABERTAS

Esta entrevista foi realizada em Águas de Lindoia, SP, por ocasião do Congresso da SEPAL. Por exercer um ministério interdenominacional, Irmão André prefere não filiar-se a uma denominação; participa de uma comunidade evangélica “moderadamente carismática” na Holanda, onde vive.
Ultimato — Quantos exemplares da Bíblia o sr. e sua equipe introduziram ocultamente para os países da antiga URSS durante a Guerra Fria?
André — Não tenho números exatos. Mas posso falar em muitos milhões. Fizemos isso durante quase 40 anos.
Ultimato — No mundo hoje, ainda há necessidade de contrabandear Bíblias?
André — Acabo de ler na edição holandesa de nossa revista Portas Abertas que no Usbequistão exemplares da Bíblia foram incinerados recentemente. Alguns países do antigo bloco comunista são tão contrários à Bíblia que a confiscam dos cristãos e a queimam. As sociedades bíblicas ainda não conseguiram se estabelecer em bom número desses países. Em alguns lugares do mundo, a prática de copiar as Escrituras a mão ainda é comum. Daí decorre que continua necessário fazer chegar a Palavra de Deus até lá do nosso modo. Mas eu não gosto de usar a palavra “contrabando”. Prefiro dizer que nós introduzimos a Bíblia nesses países de modo “não oficial”.
Ultimato — A editora americana Crossroad acaba de publicar o livro The Catholic Martyrs of the Twentieth Century, de Robert Royal. Há tantos mártires assim no século 20 a ponto de encher as páginas de um volumoso livro?
André — Não conheço este livro e gostaria de lê-lo. Sou fã do Livro dos Mártires, do historiador e martirólogo inglês John Foxe, publicado em 1563. Ele conta a história dos mártires principalmente da Idade Média. Mas eu discordo da definição que se dá hoje em dia à palavra mártir. Nem todo cristão palestino ou israelense vítimas de ataques terroristas são mártires. Prefiro dizer que são vítimas, o que é muito diferente de mártires. Entendo que mártir cristão é aquele que é preso, ameaçado e torturado por causa de sua fé pessoal em Jesus Cristo, a respeito do qual dá veemente testemunho por meio de palavra e obras. Quando lhe oferecem a liberdade em troca da negação de Jesus, ele prefere continuar preso e morrer.
Ultimato — O que o sr. chama de “Igreja Sofredora”?
André — Faço diferença entre “Igreja Sofredora” e “Igreja Perseguida”. A primeira diz respeito a cristãos que estão debaixo de sistemas tanto políticos como religiosos que impedem o pleno funcionamento de uma igreja. Essa comunidade não tem liberdade de evangelizar, pregar, distribuir Bíblias, realizar ministérios especiais com jovens e crianças etc.. Se essas limitações forem desrespeitadas, os crentes serão punidos. Já a “Igreja Perseguida” é aquela cujos fiéis são na verdade hostilizados e aprisionados e eventualmente mortos. O contato com esses irmãos é muito difícil. Portas Abertas, porém, trabalha com ambas, a “Igreja Sofredora” e a “Igreja Perseguida”.
Ultimato — Em suas andanças pelo Oriente Médio, o sr. teria visitado o Iraque? Em algumas dessas visitas teria se encontrado com o único cristão membro do governo, o ex-vice-primeiro-ministro iraquiano Tariq Aziz, hoje em poder dos americanos?
André — Não, nunca me encontrei com Tariq Aziz. Quando estive no Iraque me reuni apenas com evangélicos e preguei nas igrejas deles, em mais de uma denominação. Alguns cristãos iraquianos são “cristãos culturais”. Não os estou desprezando; o que quero dizer é que eles não são cristãos por escolha mas por nascimento, por terem vindo ao mundo numa família cristã. Assim como há muçulmanos nominais, há também cristãos nominais. Não sei se o ex-vice-ministro Aziz conhece o evangelho. Certa vez, ele recebeu uma equipe de jornalistas estrangeiros, entre os quais havia algumas pessoas de Portas Abertas, e tentou demonstrar que o regime iraquiano era tolerante e que Saddam Hussein era um cara legal. A prova disso seria a presença de cristãos, como ele próprio, nos altos escalões do governo.
Ultimato — Os cristãos iraquianos eram perseguidos no governo de Saddam Hussein?
André — Certamente que os cristãos sob o antigo governo tinham de viver sob terríveis restrições. Posso citar o caso particular de um jovem que foi estudar teologia num país ocidental com a ajuda da nossa Missão e com o solene compromisso de voltar para o Iraque depois de formado. Mas a situação piorou tanto que ele acabou não retornando. Nos países muçulmanos há muita flutuação. Dependendo das alianças políticas, o trato dispensado aos cristãos tanto pode melhorar como piorar. Muitos cristãos acabam fugindo do país, o que eu sempre considero uma perda. A fuga deles significa que não mais exercerão qualquer influência para mudar o regime. A mensagem de Portas Abertas é: “Tente permanecer o máximo que puder aguentar. Se você discorda do regime, tente mudá-lo de dentro.”
Ultimato — Nos últimos dez anos os missiólogos procuraram fazer uma relação dos povos ainda não alcançados ou pouco alcançados pelo evangelho. Daí surgiu o mapa do Cinturão da Resistência, também denominado Janela 10/40, onde se encontram quase todos os países muçulmanos. As intervenções bélicas de nações cristãs no Afeganistão em 2002 e no Iraque em 2003 vão comprometer o projeto de evangelização conhecido como “o último grande desafio missionário da história”?
André — Em ambos os países, Afeganistão e Iraque, o evangelismo está quase impossível neste momento. Na maioria dos 60 a 70 países do Cinturão da Resistência o evangelismo aberto é absolutamente proibido. Um muçulmano não pode por força da lei tornar-se cristão. Mesmo no Egito, uma igreja copta pode promover uma grande reunião em seu templo, mas com a presença só de cristãos coptas. O sacerdote deve permanecer na porta do templo para impedir a entrada de muçulmanos, porque, se estes entrarem, o primeiro a ter problemas é o próprio sacerdote. Se o muçulmano aceitar o evangelho, o sacerdote pode perder sua liberdade, sua licença para pregar e até a vida. O evangelismo de cristãos nominais é possível (claro que eles também necessitam do evangelho), mas nunca entre a população muçulmana.
Ultimato — Como o senhor avalia a anunciada “invasão” evangélica no Iraque para levar suprimentos, medicamentos, Bíblias e a pregação evangélica, por parte de americanos e sob liderança americana, depois da vitória sobre Saddam Hussein?
André — Sou muito crítico em relação a isso e hesito em considerar essa ideia. Não posso acreditar que o esforço será bem-sucedido. Você não pode confortar um povo que você mesmo acabou de vencer numa guerra. Depois da derrota, então vem a ajuda americana... Os iraquianos provavelmente vão aceitar, porque estão em necessidade extrema. Mas isso não quer dizer que vão aceitar Cristo e crer nele. Certamente eles não querem “o Cristo americano”... O Afeganistão e o Iraque jamais encaram os americanos como libertadores, por mais que a CNN queira que acreditemos nisso, mas como forças de ocupação. Não há muito amor entre os dois lados. Aprecio o esforço de “controle de danos” — distribuição de alimentos e roupas, e reconstrução — mas se não manifestarmos o caráter de Jesus em nossa abordagem, não seremos realmente capazes de ganhar pontos e sermos aceitos. Pelo menos até o presente momento. Pode mudar mais tarde. Mas sou bastante cético de que isso funcione.
Ultimato — O senhor é a favor da criação de um Estado palestino?
André — Não vejo como possa haver um Estado palestino. O país é muito pequeno, o fosso entre palestinos e israelenses é muito profundo, o ódio recíproco é muito grande e a situação está assim há muitos anos. Em nossa geração, não veremos um Estado palestino, na forma como concebemos hoje um Estado, com direitos, fronteiras, exército etc.
Ultimato — O senhor acha que os cristãos devem apoiar Israel contra os palestinos?
André — Essa é uma questão política e eu não gosto dessa polarização. Portas Abertas optou pelo Corpo de Cristo. E o Corpo de Cristo está parcialmente na comunidade judaica — os judeus messiânicos, que vivem sob intensa pressão e oposição de seu próprio governo. Mas está principalmente no setor palestino da população. Seja qual for nossa visão profética, por favor, não vamos confundir profecia com especulação. Não acredito que é do caráter de Deus cumprir profecia com bombas, tanques, F-16 e helicópteros apaches e matar pessoas quase aleatoriamente. Além disso, precisamos rever nosso estudo sobre profecias, para ver se podemos interpretá-las de modo consistente com o caráter de Deus. E, então, chegaremos a uma conclusão diferente daquela que a maioria dos cristãos conservadores e fundamentalistas têm em relação a Israel. Eu não posso apoiar Israel como é agora, como Estado e potência militar, mais ou menos uma filial dos Estados Unidos da América que possibilita a presença militar americana naquela área. O governo americano está sempre à caça de armas de destruição em massa. Ora, Israel está cheio delas, e todo mundo sabe disso. Não é justo. Não quero tomar partido, mas eu vejo crianças palestinas jogando pedras — nunca o fazem em Israel, sempre em seu próprio território — e os israelenses reagindo com tiros. Então, eu assumo abertamente o lado palestino. Fico com as crianças palestinas, na esperança de que os israelenses parem de atirar. Nem sempre eles param — me vejo como que em meio a intenso tiroteio, com aperto no coração, rodeado de pessoas feridas. Conheço o cheiro do gás lacrimogêneo, pois já fui vítima dele muitas vezes!
Ultimato — Qual a sua opinião sobre o muro de 350 quilômetros que está sendo levantado entre Israel e Cisjordânia?
André — Não vai funcionar nunca. Será outro muro de vergonha, como foi o que havia em Berlim e como é o que existe em Chipre, separando cipriotas e turcos. Por que fazer isso de novo? Esse muro pode conseguir isolar um grupo de palestinos, mas ainda há mais de 1 milhão de israelenses árabes no interior de seu país. Repito, temo que muitos cristãos tomem uma posição radical baseados em sua interpretação particular da profecia. Temo que eles apoiem o militarismo e a força mais do que o espírito de Cristo, que entregou sua vida a eles.
Fonte: Revista Ultimato

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